A programação desta quinta-feira (27) do I Encontro Rondoniense de Engenharia Ambiental e Sanitária segue com reflexões inspiradoras e propostas inovadoras. A segunda palestra do dia, ministrada pela engenheira Priscylla Lustosa, convida o público a olhar para a natureza como fonte de soluções para os desafios do saneamento urbano.
Com ampla experiência na administração pública e na regulação de serviços de saneamento, Priscylla apresentou a biomimética como ferramenta estratégica para a inovação ambiental. A abordagem propõe integrar os conhecimentos ecológicos aos sistemas de esgotamento sanitário e gestão de resíduos, promovendo soluções resilientes, sustentáveis e adaptativas. “Nós, que somos esses engenheiros da vida, como o Farley falou no período da manhã, esses médicos do meio ambiente, precisamos estar na linha de frente desse tipo de discussão”, afirmou.
Priscylla começou apresentando como exemplo de integração entre ecologia e sistemas diversos o concreto autorregenerativo enriquecido com hidrogel e bactérias específicas. “Na presença de água e CO₂, essas bactérias produzem carbonato de cálcio, preenchendo microfissuras no concreto em até dois dias. É como se o material tivesse vida própria”, explicou. Citou também as pontes vivas feitas com raízes de árvores no leste da Índia, que se fortalecem com o tempo e resistem melhor às chuvas. “Talvez ainda não sirvam para caminhões de soja, mas quantas pontes urbanas ou estruturas em parques naturais poderiam ser feitas com esse tipo de tecnologia viva e regenerativa?”
A engenheira abordou ainda o biodigestor como exemplo clássico de biomimética. “Ele é um grande estômago mecânico. Tritura, fermenta, transforma resíduos em energia e fertilizante. É um processo infinitamente mais barato do que o tratamento químico, especialmente para esgoto, que tem alta carga orgânica — exatamente o que as bactérias precisam para trabalhar.”
Ao falar sobre redes neurais aplicadas à modelagem hidrogeológica, a palestra ganhou contornos ainda mais provocativos. “É como se a própria bacia hidrográfica pressentisse eventos extremos. A fauna responde, a atmosfera responde. A natureza está o tempo todo processando isso. Só agora, com a inteligência artificial, começamos a perceber o que ela sempre fez”, refletiu.
Priscylla também destacou soluções baseadas na natureza, como wetlands e jardins de chuva. “Wetlands são brejos, áreas de várzea que têm uma riqueza biológica e tecnológica imensa. E os jardins de chuva, que já são amplamente usados na Europa, funcionam como microbacias de retenção, regulando a vazão e promovendo infiltração direta no lençol freático.”
Encerrando sua fala, ela apresentou outra inovação: os pods de cogumelo. “Pesquisadores da Universidade de Rhode Island estão desenvolvendo blocos flutuantes feitos com micélio — a parte fibrosa da raiz do cogumelo — com altíssima capacidade de absorção de nutrientes. Esses pods, combinados com macrófitas, chegaram a remover até 89% dos poluentes em 30 dias em um rio-modelo. E tudo isso com densidade baixa, flutuando naturalmente.”
Priscylla também fez um alerta sobre o fascínio por tecnologias artificiais que tentam replicar o que a natureza já faz com perfeição. “Por que produzir árvores artificiais para captar carbono, se temos árvores naturais que fazem isso melhor e de graça? Precisamos ter critério técnico e sensibilidade para não cair em soluções que parecem inovadoras, mas ignoram a inteligência da vida.”
Finalizando, ela compartilhou sua visão crítica sobre a chamada “esfera de Dyson” — uma hipótese astronômica de cercar o Sol com painéis solares para captar energia. “Isso me parece o ponto máximo do egoísmo humano. Pensar em dominar o centro do sistema solar enquanto ignoramos a harmonia da vida aqui na Terra vai contra tudo o que defendemos como engenheiros ambientais.”
Com uma fala envolvente, repleta de exemplos práticos e reflexões profundas, Priscylla encerrou sua participação com uma citação que resume o espírito da palestra: “Brilhante é a natureza. E o ser humano, quando está alinhado com a vida, capta um pouco disso.”
Foto: Isadora Fernandes