Fechando com chave de ouro a programação do I Encontro Rondoniense de Engenharia Ambiental e Sanitária, o engenheiro ambiental Yaylley Jezini compartilhou com o público uma trajetória de 18 anos marcada por experiências concretas nos setores público e privado. Atual Diretor de Restauração Ambiental da SEMA de Porto Velho, Jezini trouxe à tona reflexões sobre o papel estratégico da engenharia ambiental na formulação de políticas públicas, no licenciamento ambiental e na gestão de resíduos e esgotamento sanitário.
Iniciou abrodando os avanços e desafios do Projeto AIA – Áreas de Interesse Ambiental. A iniciativa busca identificar, diagnosticar, recuperar e conservar territórios estratégicos para a sustentabilidade do município, enfrentando obstáculos significativos em um território vasto, diverso e de difícil acesso.
Com 13 grandes núcleos urbanos espalhados por 11 distritos, Porto Velho abriga comunidades que vivem em áreas remotas, como o Baixo Madeira, onde o acesso só é possível por barco após 180 km de navegação. Em períodos de seca, o leito do rio recua tanto que é preciso subir cerca de 30 a 40 metros para alcançar a margem. Em Nazaré, por exemplo, a situação foi tão crítica que os técnicos precisaram comprar botas no local para conseguir caminhar, e muitos precisaram tomar antibióticos ao retornar, devido às condições insalubres.
Essas dificuldades reforçam a importância do projeto, que está estruturado em quatro fases: mobilização social, diagnóstico técnico, matriz de priorização e gestão das áreas identificadas. A primeira etapa foi marcada por uma ampla campanha de comunicação com a população, utilizando redes sociais como Instagram, Facebook, TikTok, YouTube e WhatsApp. A proposta era simples e poderosa: engajar os moradores para que ajudassem a localizar áreas com potencial ambiental, como o lago cristalino do Seu Francisco, o Manacente, que pode se tornar uma RPPN ou balneário. A população foi incentivada a enviar fotos e localizações usando hashtags como #SEMAPortoVelho e #SEMDestur.
A campanha também contou com o apoio de influenciadores regionais e desafios interativos para estimular o compartilhamento. Todo o material de divulgação foi desenvolvido com o apoio de inteligência artificial, o que permitiu à equipe ganhar tempo e comunicar de forma mais eficiente. A IA também foi utilizada para organizar dados, modelar campanhas e planejar as expedições de campo.
Segunda fase
Com as áreas mapeadas, o projeto entrou na segunda fase: o diagnóstico técnico. As equipes foram a campo para levantar informações sobre biodiversidade, vulnerabilidade ambiental, infraestrutura, acessibilidade, energia, equipamentos públicos, condições de habitação, saneamento e potencial turístico. No entanto, estudos indicam que, caso receba 100 turistas por semana, pode entrar em colapso ambiental e social, devido à falta de estrutura para resíduos e hospedagem.
Outro caso citado foi o da Fortaleza do Abunã, onde, apesar da presença do rio Abunã, a população ainda não desenvolveu atividades turísticas estruturadas. Em Nazaré, os botos chegaram a saltar na beira do rio, bem ao lado da embarcação atracada. “Foi incrível observar aquilo. E claro, a cabeça já começa a pensar: será que alguém pagaria 300 euros para viver essa experiência?”, refletiu o palestrante. Esse tipo de pensamento já está sendo incorporado ao projeto, que busca estruturar um modelo de desenvolvimento sustentável para o município.
Porto Velho tem cerca de 49,8% de seu território ocupado por unidades de conservação e terras indígenas. É uma proporção significativa, próxima do limite que o Código Florestal estabelece para a dispensa de recomposição de reserva legal. O sonho da equipe é transformar esse patrimônio natural em motor de desenvolvimento econômico, por meio de políticas públicas bem estruturadas. Um exemplo promissor é o Lago do Cunhã, onde está sendo estruturado, em parceria com o ICMBio, um projeto de ecoturismo, turismo de pesca e até manejo de jacaré — o único aprovado na região.
Além do potencial ambiental e turístico, o projeto também visa fortalecer a arrecadação municipal. “Quando estruturamos essas atividades, a arrecadação vem direto para o cofre do município. Isso nos permite investir mais em infraestrutura, serviços e qualidade de vida. Precisamos dar um novo futuro para Porto Velho”, destacou o palestrante. Um planejamento macro foi apresentado no final do ano anterior, e está em fase de aprovação. Nele, o turismo aparece como uma das principais frentes de desenvolvimento, ao lado da logística — área em que Porto Velho já se destaca.
Turismo bem planejado
O turismo, quando bem planejado, é uma atividade de baixo impacto ambiental e alto impacto social. Com controle de acesso, como o regime de escassez em unidades de conservação, é possível elevar o valor agregado da experiência e beneficiar diretamente as comunidades locais. As expedições de campo, com duração média de quatro dias, são planejadas com base em questionários e roteiros técnicos. Durante essas visitas, são realizados levantamentos com drones, análises de água, sondagens e diagnósticos ambientais completos — atividades que envolvem diretamente a atuação do engenheiro ambiental.
Nem todas as áreas identificadas estão em bom estado de conservação. Algumas já apresentam sinais claros de degradação e entram em um roteiro diferente de trabalho, voltado à recuperação. Um exemplo é o bairro Castanheira, na área urbana de Porto Velho. Próximo ao hospital veterinário da Finca, há uma nascente com vazão tão forte que já rompeu o solo três vezes, ameaçando a rua. A área, embora muito degradada e com vegetação escassa, ainda abriga uma bela cachoeira e um curso d’água parcialmente limpo. “É um espaço que precisa ser recuperado e devolvido à população. Esse também é o papel do diagnóstico: não apenas potencializar, mas recuperar e tornar acessível”, explicou o palestrante.
Como os recursos públicos são limitados, o projeto prevê uma matriz de priorização para definir onde investir primeiro. Essa matriz, semelhante às utilizadas em estudos de impacto ambiental, avalia critérios e subcritérios com pontuações para níveis baixo, médio e alto. A pontuação final classifica as áreas conforme sua urgência e viabilidade de intervenção. A expectativa é que, ao menos cinco áreas sejam selecionadas para elaboração de projetos e captação de recursos. “É pouco, mas é o primeiro passo. O importante é termos o máximo de áreas mapeadas e registradas, mesmo que algumas só possam ser monitoradas por enquanto”, afirmou.
Após a matriz, o projeto entra na fase de proposições. Quem já trabalhou com planos setoriais, de saneamento ou plano diretor, reconhece essa etapa como o prognóstico: é quando se cruzam os dados do diagnóstico com as possibilidades reais de intervenção. Áreas maiores e menores são tratadas conforme seu potencial. Calama, por exemplo, tem vocação para o turismo de pesca e produção agrícola. O mel de melipona, que pode chegar a mil reais o litro, é uma oportunidade concreta. “Por que não capacitar a comunidade local para criar meliponas e iniciar uma cadeia produtiva sustentável?”, provocou o palestrante.
O projeto também reconhece a diversidade de escalas e contextos territoriais. Há desde pequenas unidades de conservação, como a Estação Ecológica das Capivaras, com apenas 4,5 hectares no perímetro urbano, até áreas com mais de 200 mil hectares. Cada uma exige soluções técnicas e estratégias distintas. O desenvolvimento do Baixo Madeira, por exemplo, demanda uma abordagem completamente diferente da necessária para o Alto Madeira, na região do Abunã. Em Rio Pardo, um distrito com cerca de 10 mil habitantes, a situação é ainda mais complexa: a comunidade está inserida dentro de uma área de proteção ambiental e de uma floresta que já foi intensamente explorada. “Não temos a pretensão de resolver tudo, mas queremos oferecer um norte. Precisamos aprender a gerenciar nosso território — seja ele um microterritório urbano ou uma região inteira como Calama ou Nazaré”.
Foto: Isadora Fernandes