Durante o I Encontro Rondoniense de Engenharia Ambiental e Sanitária, realizado em Ji-Paraná, o professor Jeferson Alberto de Lima trouxe uma reflexão profunda e necessária sobre o papel da inovação nas políticas públicas e o desafio de conectar a engenharia ambiental ao bem-estar das pessoas. Com uma fala sensível, provocadora e com exemplos práticos, ele convidou o público a repensar a forma como nos relacionamos com a natureza, com os territórios e com os saberes tradicionais.
“Precisamos ressignificar o sentido da vida”, afirmou o professor logo no início de sua apresentação. Para ele, a inovação em políticas públicas vai muito além da tecnologia: envolve escuta, respeito, governança democrática e, sobretudo, a capacidade de reconhecer o que deve nos inspirar. “O que a gente não conhece, a gente não valoriza. E por isso contemplamos pouco a natureza e as comunidades que vivem em harmonia com ela.”
Jeferson destacou a importância de projetos desenvolvidos no Departamento de Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Rondônia, que têm buscado integrar ensino, pesquisa e extensão com foco na sustentabilidade e na valorização dos povos originários. “Hoje, temos auditórios lotados por estudantes indígenas. E isso muda tudo. Não existe mais pesquisa que vá até uma comunidade sem escuta. Eles precisam estar conosco desde o início.”
Ao tratar da inovação em políticas públicas, o professor ressaltou que ela deve resultar em melhorias reais para quem está na ponta — a sociedade. “Muitas vezes, por não compreendermos o objetivo de uma política, achamos que ela existe para punir. Mas, assim como um semáforo vermelho protege vidas, as políticas públicas também são sinais de alerta. Precisamos aprender a reconhecê-los.”
Ele também abordou a crise ambiental como um fenômeno que vai além do ecológico. “A primeira consequência da crise ambiental é o dano à vida humana. Pessoas morrem por causa de chuvas extremas, secas prolongadas, deslizamentos e falta de acesso à água. E, mesmo assim, parece que esquecemos rápido demais.”
Política Nacional de Recursos Hídricos
Ao aprofundar sua análise, Jeferson destacou a inovação presente na Política Nacional de Recursos Hídricos, especialmente ao definir a bacia hidrográfica como unidade de planejamento. “Essa é uma das maiores inovações da Lei 9.433. Os rios não respeitam limites políticos. Por isso, os municípios que compartilham uma mesma bacia devem planejar juntos. É como uma casa: quem mora nela é quem deve decidir sobre ela.”
Também explicou a importância de instrumentos como a outorga do uso da água e a cobrança pelo uso. “A outorga é uma ferramenta de gestão que evita conflitos e garante a sustentabilidade. Assim como numa casa com muitos filhos e poucos alimentos, é preciso distribuir com equilíbrio. A água é um recurso finito e precisa ser gerido com responsabilidade.”
O professor destacou ainda o papel do monitoramento da qualidade da água como base para ações de recuperação e restauração ambiental. “Não plantamos árvores porque é bonito. Fazemos isso porque a recuperação de áreas permite a retomada de processos do ciclo hidrológico que garantem a oferta de água em qualidade e quantidade.”
Chamou atenção para inovações que muitas vezes passam despercebidas. “Às vezes achamos que árvores artificiais são inovação, mas a verdadeira inovação é restaurar o que a natureza já faz. Sistemas agroflorestais, silvipastoris, reflorestamento — tudo isso é inovação quando respeita os processos naturais.”
Abordou também a importância dos sistemas de alerta precoce e monitoramento ambiental. “Gostaria de ver o Corpo de Bombeiros atuando apenas com educação ambiental. Mas hoje, eles estão correndo riscos porque não temos sistemas de alerta eficientes. Isso precisa mudar.”
Outro ponto importante foi a litigância climática — o uso de instrumentos legais para responsabilizar governos e empresas por danos ambientais. “Vimos isso em Rondônia, com ações judiciais contra o Estado e a prefeitura de Porto Velho por negligência durante a crise hídrica. Isso é grave, mas também é um sinal de que a sociedade está reagindo.”
Soluções locais com impacto global
Jeferson reforçou a necessidade de medirmos os resultados que realmente importam. “Qual é a qualidade da saúde das nossas pessoas? Como está o acesso à água de qualidade? Qual é o tipo de água? Como está a segurança alimentar e a redução dos riscos de desastres?”, questionou. Alertou para a ocupação de áreas de risco, como várzeas, lixões desativados e encostas, onde qualquer variação climática pode resultar em tragédias. “E nós aceitamos isso. Isso precisa estar na discussão.”
Segundo o professor, o papel do gestor inovador é lidar com empatia e escuta. “Não é fácil estar em um ambiente com pessoas diferentes de nós — seja pela cor da pele, pela cultura, pela forma de se vestir ou se comportar. Mas precisamos dessa escuta, senão nossas políticas nunca serão eficientes.”
Trabalhar com base em dados, mas com foco nas pessoas, é o caminho. “Precisamos romper a lógica do mais ou menos. Pensar localmente, mas com impacto global. Se todos nós pensarmos no micro, impactaremos o macro. Mas se não conseguimos nem planejar ações localizadas, valorizando quem está presente, não faremos a diferença.”
Casos inspiradores e caminhos possíveis
Jeferson citou o reflorestamento com geração de renda como exemplo concreto. “O sistema agroflorestal e o agrossilvipastoril restauram a floresta com possibilidade de riqueza. As comunidades tradicionais estão tentando fazer isso. Precisamos apoiar essas iniciativas.”
Também destacou o uso do MapBiomas, que coleta, trata e disponibiliza dados ambientais de forma pública, inclusive para o Ministério Público. “Isso fortalece a segurança dos processos e a efetividade das políticas públicas.”
Outros exemplos incluem os projetos de pagamento por serviços ambientais, que recompensam comunidades que conservam recursos naturais ou desenvolvem modelos sustentáveis, e a educação ambiental comunitária, que deve ser contínua e participativa. “Não dá para fazer educação ambiental só na sala de aula e lembrar dos povos originários apenas em datas comemorativas. Precisamos envolvê-los de forma constante.”
Bem viver e respeito à diversidade
“Viver numa floresta, comendo frutas, peixe e tomando a água do rio não é um modelo equivocado de vida”, afirmou o professor. “Temos milhares de pessoas que vivem assim. E quando você tem a oportunidade de sentar ao lado dessas pessoas e perguntar o que é bem viver, elas respondem: ‘é ter meu peixe no rio, minha água pra tomar e descansar na minha rede’. Esse é o bem viver que milhares de pessoas em Rondônia aceitam para suas vidas. E nós precisamos respeitar isso.”
Por isso, ele defende que as ações públicas sejam integradas entre todos os setores — saúde, saneamento, meio ambiente, educação, transporte, segurança pública — e que haja transparência e engajamento social. “Vivemos uma realidade extremamente complexa. Os investimentos públicos não são transparentes. Temos uma Lei de Acesso à Informação, mas não conseguimos acessar as informações. Isso é um grande desafio.”
“É o ser humano que precisa. A natureza não precisa”, reforçou o professor, ecoando a fala da colega Priscylla. “A natureza vai se adaptar e permanecer aqui depois da gente. Ela não precisa de política pública eficiente — nós é que precisamos.”
Alertou que estamos aceitando viver em ambientes que não são dignos. “O que usamos para nos alimentar, para suprir nossa demanda hídrica, está destruindo e matando nossas vidas. O modelo que adotamos precisa ser revisto.”
E concluiu com um chamado à responsabilidade: “Vamos, por meio das políticas públicas, reconhecer essas inovações e tentar, com todo o nosso esforço, conhecimento e capacidade, fazer com que elas sejam implementadas. Não é fácil, não é simples, mas é um compromisso que vocês e eu assumimos quando ousamos entrar numa universidade e buscar um título de educação superior — seja na engenharia ambiental, na agronomia ou em qualquer outra área. Esse é um compromisso formal”.
Com uma fala que uniu conhecimento técnico, sensibilidade social e compromisso com o território, o professor Jeferson Lima encerrou sua participação com uma mensagem clara: a engenharia ambiental precisa estar a serviço da vida — e isso começa com escuta, empatia, responsabilidade e ação.
Foto: Isadora Fernandes